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Eduardo Braatz Boniatti

Intuição Médica: Ciência, Ética e Cuidado.

Médico de jaleco branco com o nome Eduardo Boniatti bordado no uniforme, segurando uma radiografia e examinando atentamente as imagens de ressonância magnética em uma sala iluminada.

Recentemente, assistindo ao podcast Os Sócios, Bruno Perini mencionou o livro Blink: A Decisão num Piscar de Olhos, de Malcolm Gladwell. Nesse livro, Gladwell conta a história de um bombeiro chamado para combater um incêndio em um prédio que, à primeira vista, parecia um caso comum, sem grandes perigos. No entanto, ao chegar ao local, o bombeiro rapidamente notou que algo estava fora do normal e ordenou que sua equipe deixasse o prédio imediatamente. Mais tarde, descobriu-se que o fogo estava no porão, e não na cozinha, como inicialmente todos pensavam. Quando questionado sobre como ele percebeu isso tão rápido, o bombeiro explicou que, ao entrar, observou que as chamas estavam mais intensas do que o esperado, e sabia que casas naquela área geralmente têm porões.

Médico pensativo sentado à mesa com um estetoscópio no pescoço, segurando uma caneta e com a mão no queixo. Ele olha para o lado, cercado por ícones digitais de saúde que flutuam ao redor, representando medicina, coração e outros símbolos relacionados à saúde

Esse tipo de percepção, muitas vezes rotulada como "intuição", na verdade deriva de anos de treinamento, estudo e experiências na área que fazem com que o profissional seja altamente capaz de tomar decisões rápidas e precisas, fundadas em em padrões previamente reconhecidos, adquiridos por meio da prática e conhecimento. Não é uma habilidade mística ou sobrenatural, mas sim o resultado de uma capacidade cognitiva chamada de "raciocínio rápido", que refere-se à habilidade de extrair conclusões rápidas e precisas a partir de pequenos fragmentos de informação. Assim, a intuição se constrói a partir de vivências anteriores, permitindo ao profissional perceber detalhes imperceptíveis aos olhos de quem não possui o mesmo nível de experiência e expertise.

Na medicina, essa "intuição" pode ser igualmente valiosa. Médicos experientes, por exemplo, são capazes de identificar sinais sutis e discretos de doenças graves em pacientes aparentemente saudáveis. A prática clínica permite que o médico reconheça padrões e faça inferências rápidas baseadas em anamnese e exame físico cuidadoso.


De acordo com Celmo Celeno Porto:

“A anamnese, se bem-feita, culmina em decisões diagnósticas e terapêuticas corretas; se malfeita, desencadeia uma série de consequências negativas, as quais não podem ser compensadas com a realização de exames complementares, por mais sofisticados que sejam.”​.

A capacidade intuitiva de um médico é construída a partir da observação cuidadosa, conhecimento prévio e raciocínio clínico. Durante a interação com os pacientes, essa habilidade se desenvolve, permitindo que o profissional reconheça rapidamente sinais sutis que podem passar despercebidos em exames de rotina. Com a experiência clínica acumulada, o médico identifica padrões de sintomas e comportamentos, o que facilita diagnósticos precoces e decisões terapêuticas rápidas, especialmente em situações de pressão, onde um olhar treinado capta detalhes cruciais de forma quase imediata.

A prática do raciocínio clínico é fundamental para o diagnóstico eficaz e seguro, que muitas vezes se baseia no reconhecimento de padrões. O médico experiente, ao lidar com sinais e sintomas recorrentes, consegue realizar inferências rápidas, apoiadas em um processo de pensamento crítico e habilidades cognitivas desenvolvidas ao longo dos anos. Esse processo envolve tanto elementos lógicos quanto intuitivos, e é constantemente aprimorado com a prática clínica, onde se combinam informações para formar um diagnóstico correto.


 

Nos dias atuais, vivemos em uma era onde informações, verdadeiras ou não, circulam amplamente nas redes sociais, o que tem aumentado o número de profissionais que, em vez de seguirem o raciocínio clínico adequado, lucram com diagnósticos de doenças inexistentes e tratamentos desnecessários. Isso desvirtua a medicina e coloca em risco a saúde dos pacientes, indo contra os princípios fundamentais da bioética.

Uma imagem convencionalizada em um busto "retrato" romano (gravura do século XIX)
Hipócrates de Kos 460 a.C. - 370 a.C.

O princípio da beneficência, por exemplo, exige que os médicos ajam de maneira a maximizar o benefício para o paciente, minimizando qualquer prejuízo. Profissionais que indicam exames complementares desnecessários ou tratamentos inadequados violam esse princípio, pois não agem no melhor interesse do paciente. Além disso, a não-maleficência, que defende que o médico deve evitar causar danos, também é comprometida quando intervenções médicas são realizadas sem necessidade ou sem uma base diagnóstica sólida. O excesso de exames, muitas vezes usados como ferramenta lucrativa, não só expõe o paciente a riscos desnecessários, como também contraria a lógica de “primum non nocere” (primeiro, não prejudicar).

O princípio da justiça é comprometido quando a medicina se desvia para práticas voltadas apenas ao lucro, tratando os pacientes de forma desigual e favorecendo aqueles que podem pagar por tratamentos desnecessários. Isso prejudica a igualdade de acesso ao atendimento, que deve ser garantido para todos, independentemente da condição financeira ou das pressões do mercado.


Juramento de Hipócrates

Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higia e Panacea e por todos os deuses e deusas, a quem conclamo como minhas testemunhas, juro cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes. Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha arte. Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam. Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados. Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça.
 

O raciocínio clínico é uma fusão entre a experiência e o pensamento analítico, o que permite que os médicos reduzam o número de hipóteses a serem testadas, focando naquilo que é mais relevante, usando critérios epidemiológicos e anatômicos para descartar diagnósticos improváveis e validar aqueles mais prováveis. Assim, a intuição, longe de ser um palpite, é uma ferramenta poderosa resulta de anos de prática e estudo, ajudando o profissional a diagnosticar rapidamente situações críticas. No entanto vemos um aumento de profissionais que negligenciam essa lógica em favor de abordagens exploratórias e lucrativas, o que contraria os princípios bioéticos e o verdadeiro valor da medicina.

Apesar do aumento da desinformação e da presença de profissionais que se afastam dos princípios éticos da medicina, ainda existem muitos que se mantêm comprometidos com a bioética de forma impecável, que seguem rigorosamente os princípios da beneficência, não-maleficência e justiça, assegurando que suas decisões sempre priorizem o bem-estar do paciente. São esses profissionais éticos, baseados em conhecimento sólido e raciocínio clínico adequado, que conquistam a confiança dos pacientes, tornando-se exemplos de segurança e competência na prática médica.

Para garantir sua saúde, sempre busque médicos sérios que ofereçam tratamentos racionais e baseados na ciência, sem promessas de soluções milagrosas. Evite profissionais que sugerem exames desnecessários ou exames de rastreio sem indicação, especialmente em pacientes assintomáticos. Desconfie também de tratamentos que envolvam abordagens sem comprovação científica, como práticas holísticas ou alternativas. O cuidado deve ser sempre pautado pela lógica médica e pelo compromisso com a sua saúde.



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